A cearense Elenice Rodrigues nunca pensou, em seus 39 anos de vida, que teria uma peça sua sendo desfilada em Milão, mas foi exatamente o que aconteceu no sábado, 25 de setembro de 2021. Dona Elenice vive na comunidade de Tamanduá, no município do Trairi, no litoral oeste do Ceará, região que é um misto de sertão e praia e que guarda um dos saberes mais valiosos do artesanato nacional: a renda de bilro. A produção utiliza da própria fauna local para existir: do caroço do bilreiro vem o acabamento das agulhas mais grossas; do espinho do mandacaru, as finas agulhas que marcam o papelão onde um anagrama complexo desenhado pelas mestras indica o caminho a ser bordado.

Elenice faz parte do coletivo Ole Rendeiras, que existe desde 2019 e que hoje reúne 237 artesãs de 21 distritos na região do Trairi. O Ole foi convidado para desfilar na última Semana de Moda de Milão, uma das mais importantes vitrines da moda mundial, parte do Brasil Eco Fashion Week (plataforma aliada de quem ousa empreender no segmento de moda ética e responsável), ao lado de outras sete marcas nacionais. No icônico Jardim Botânico de Brera, lançaram sua segunda coleção, Litorânea, batizada assim para mostrar que a renda de bilro não é só a renda do Trairi, nem do Ceará, mas a renda de toda beira do mar do Nordeste.

Apesar da importância cultural e de sua beleza, a renda de bilro estava ameaçada de extinção. Um dos principais saberes do Ceará e do Nordeste, que passa de geração em geração, o bilro era uma tipologia que corria o risco de se perder, porque havia deixado de ser uma opção de sustento viável para as mulheres que haviam aprendido a arte de rendar com suas mães. O excesso de atravessadores e o fato de produtos semelhantes estarem sendo confeccionados por muitos grupos de artesãs derrubavam o preço das peças, que não raramente levam pelo menos uma semana de trabalho intenso para ficarem prontas.

“Estamos falando de um trabalho sofisticado, cujas ferramentas vêm da própria natureza, muitas vezes do quintal. E que se completa em intricados jogos de mão, que compõem uma verdadeira dança”, diz Celina Hissa, fundadora da grife cearense Catarina Mina, famosa pelas bolsas de crochê e palha, que colecionou inúmeros prêmios em seus 14 anos de existência por ter desenvolvido um sistema de remuneração das artesãs justo, transparente e de valorização individual.

Ciente de que mulheres como Dona Elenice, que havia aprendido o ofício com a mãe, estavam desistindo do bilro porque o dinheiro não era nem de perto suficiente para uma existência decente, Celina decidiu reuni-las em uma cooperativa que criasse peças mais em sintonia com os desejos contemporâneos e globais – foi assim que toalhas de mesa e paninhos se transformaram em quimonos, regatas e vestidos, como os desfilados em Milão.

Quando o Ole foi criado (Celina tem como parceiro estratégico a Qair Brasil, produtora independente de energia que opera na região do Trairi), apenas 12 artesãs persistiam na arte da renda de bilro, apesar do preço nada atrativo que as peças que criavam eram vendidas em feiras. Hoje, são quase 240. A ideia do projeto é fortalecer o artesanato e garantir longevidade às tipologias do bilro, por meio da valorização do produto final.

A venda é feita através do site da Catarina Mina, por encomenda, para que a artesã se capitalize, com matéria-prima garantida e calculada. Além disso, o tempo de trabalho é respeitado, com prazos que combinam com a complexidade do fazer renda. A espera vale a pena!  A gente garante.

@OleRendeiras

Pop-up no site da Catarina Mina