Sila Maria Filgueira é conhecida como uma das melhores modelistas de Salvador. É também cozinheira regional de mão cheia – durante a pandemia, quando a fábrica de roupas onde trabalhava fechou, Sila armou uma tenda na varanda do sobrado onde mora, na Baixa do Bonfim, e suas quentinhas de comida baiana atraíram gente de toda a cidade, garantindo seu sustento e de outras costureiras que também haviam ficado desempregadas como ela, por conta da queda no consumo de roupas.

Sila é assim, forte, rainha do improviso, da resiliência e da sororidade. O fato de ser mulher trans, de ter tido uma infância paupérrima, um pai alcóolatra e violento, certamente contribuíram para essa fortaleza que Sila é hoje. O talento para o improviso também já estava presente desde muito cedo. Criança, sem ter com o que brincar, fazia roupas com canudos de plástico para vestir palitos de fósforo.

No fim da adolescência, fazia faxina, decoração de festa infantil e dava aulas de reforço escolar – tudo isso enquanto acumulava centenas de croquis de roupas que um dia esperava produzir. De tanto entrar na fila de uma fábrica de jeans sempre que aparecia um anúncio de contratação, terminou conseguindo uma entrevista e, com os croquis a tiracolo, saiu com o emprego de auxiliar de estilo, mesmo não tendo nenhuma formação em moda.

“Venci pelo cansaço. Não queriam deixar que eu fosse entrevistada porque não tinha estudado moda. Mas acho que a pessoa do RH viu que eu iria aparecer sempre e terminou deixando que eu participasse da seleção”, conta ela às gargalhadas, enquanto me serve uma deliciosa macarronada com molho de camarões na varanda da casa onde um dia vendeu quentinhas, e que hoje funciona como ateliê – além de produzir para sua marca própria homônima, Sila faz private label para diversas marcas de Salvador – sua modelagem que favorece o corpo de qualquer mulher é famosa na cidade.

Depois de cinco anos na equipe de estilo da fábrica de jeans, Sila tomou coragem para alçar voo solo e, em 2005, fez um acordo com o chefe para ser demitida. Com o dinheiro do FGTS, montou a primeira coleção da marca Sillas Filguera, que batizou de “Entre Espinhos e Rosas”, bem ilustrativa de sua trajetória. Inscreveu-se no concurso do mais importante evento de moda que Salvador já teve, o Barra Fashion. Levou o primeiro lugar e, durante cinco anos, vendeu suas peças para as três mais importantes multimarcas da cidade.

Mas a crise econômica e a falta de experiência em gestão a obrigou a voltar a trabalhar em fábrica e colocar sua marca na geladeira, já que o novo patrão exigia exclusividade. Até que veio a pandemia, a fábrica fechou, Silla tomou coragem e usou novamente o dinheiro do FGTS (e das quentinhas!) para tirar sua marca do freezer e lançar Baianá, coleção que é a cara dos novos tempos de retomada: fresca, otimista e feminina. As peças alternam linho, linho misto, crepe, viscose premium e renda, aliando conforto e sofisticação. “Esse para mim é o real espírito da mulher baiana, quero fugir dos estereótipos”, diz.

O precioso trabalho desenvolvido por Sila e executado por sua equipe de bordadeiras aparece tanto nos pequenos coqueiros aplicados no linho, símbolos da coleção, quanto nas peças em crochê, macramê e bordados de contas de cerâmica e madeira. As sandálias de couro de tilápia mostram sua preocupação com o uso de materiais sustentáveis, fabricadas em conjunto com pequenos produtores artesanais de Salvador. “Quero formar uma rede de economia solidária, criativa e autônoma para a moda baiana”, diz Sila. Oxalá!

@SillasFilgueira

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