Grafite armorial
Grafite armorial
Foi uma professora na escola pública onde estudava que despertou no pernambucano Daniel Ferreira da Silva, o Bozó Bacamarte, 33 anos, o gosto pelas artes. “Ela falava de Brennand, foi a primeira pessoa a me levar numa exposição, era uma série de Abelardo da Hora no Sesc de Casa Amarela, Os Meninos do Recife. Nunca mais esqueci. Aquelas palafitas em torno no Pina, a pobreza exposta.”
Em casa, Bozó nunca foi incentivado a desenhar, os pais jamais acreditaram que alguém pudesse viver de arte. “Meu irmão mais velho, Stanley, era quem parecia ter jeito, mas mesmo assim nunca pensou que poderia ser uma profissão.” Bozó teve a sorte de parar no Instituto Vida, ONG que formou nomes relevantes da cena artística contemporânea de Recife, como Derlon, coordenada por Lucia Helena Ramos, figura querida e que hoje coordena o Museu de Artes Afro-Brasil, no Bairro do Recife.
“Lá tive aula sobre história da arte, conhecei o movimento armorial, o trabalho de Gilvan Samico, J.Borges”. A linguagem do cordel e da xilogravura marcaram a formação de Bozó, ainda que ele sempre tenha preferido a pintura e tenha começado a traçar sua história através do grafite. “Na época da escola, quando atravessava a cidade de ônibus, observava alguns grafites e ficava fascinado. Descobri depois que eram de Pivete, mestre do grafite raiz aqui de Recife, que influenciou muita gente”.
Foi no Instituto Vida que Daniel virou Bozó, herança das aulas de break que também fazia por lá. “O professor dava um apelido para todo mundo, você não podia escolher nem reclamar. O meu foi Bozó e aí eu resolvi mais tarde adicionar o Bacamarte, porque sempre achei muito interessante a arruaça criativa dos bacamarteiros.”
Mesmo com o incentivo e a formação recebidos no Instituto Vida, ele ainda levaria dez anos para abraçar a vida de artista. Primeiro foi mecânico, época em que aproveitava as horas vagas para pintar muros da cidade. As pessoas gostavam, foi ficando conhecido, e tentou pela primeira vez viver de suas obras. “Participei do festival de Inverno de Garanhuns e senti pela primeira vez na vida como era bom acordar cedo para fazer uma coisa que você ama”.
Mas a insegurança bateu, e Bozó voltou a trabalhar como estoquista no comércio calçadista. Tomou coragem de novo, e a carreira finalmente deslanchou – um conhecido galerista de Recife chegou a encomendar dez obras de uma vez, o empurrãozinho que faltava.
Hoje, há fila para quem quer um quadro seu. Artista independente, prefere ele mesmo negociar suas obras a ter uma galeria. “Quero zerar as encomendas que tenho para pintar mais livremente. Mas esse dia vai chegar.” Enquanto não chega, ele faz um afago nos fãs com os lambe-lambes que volta e meia sai colando pelos muros da cidade (“faço para lembrar os dias em que saía sem compromisso para pintar muros por aí”).
O outro afago é a coleção recém-lançada em parceria com a Renner, com direito a camisas, bermuda, chinelo e boné. “No fim do ano passado recebi um e-mail de uma pessoa da Renner quando estava voltando de um trabalho em Caxias do Sul dizendo que gostavam do meu trabalho, e perguntando se eu me interessaria em fazer uma collab. Achei que era brincadeira.” Não era. Sorte de quem não pode (ainda) ter um Bozó na parede de casa.