Liberar corpos negros e indígenas a partir da arte, colocando-os como protagonistas de imagens do Brasil colonial nas quais sempre foram coadjuvantes – ou pior, vítimas. Essa é a original e impactante proposta da maranhense Gê Viana, destaque na última SP-Arte.
Nascida em Santa Luzia, a artista de 38 anos tem origem indígena, do povo Anapuru Muypurá. Formada em Artes Visuais pela Universidade Federal do Maranhão, cria colagens e fotomontagens inspiradas em acontecimentos da vida familiar e do cotidiano de sua comunidade, usando-os para ressignificar os estereótipos dos corpos negros e indígenas no país. Seu trabalho na cultura colonizadora hegemônica que dita os sistemas de arte, educação e comunicação.
Nas obras, é possível ver e sentir as dualidades do cotidiano da artista, dividida entre o urbano e o rural, a felicidade e as feridas. “Crio num trânsito entre o quintal de casa e as ruas. Penso em um modo de fazer arte a partir da história do meu povo Anapuru e da história brasileira, trazendo outras narrativas: inventários que trabalhem possibilidades mais felizes e dignas, pois sinto que nossa felicidade sempre esteve em risco.”

Os primeiros trabalhos da artista foram feitos em lambe-lambe, expressão artística que carrega em sua essência mensagens de cunho sociopolítico. Apesar de estar presente em museus do Brasil e do mundo, até hoje Gê Viana mantém essa tradição. Quando alguma nova obra é exposta, a artista produz novos lambe-lambes que ganharão as ruas. É seu jeito de devolver à comunidade.

Sua série mais conhecida, batizada de “Atualizações Traumáticas de Debret”, inverte os protagonistas das obras de Jean-Baptiste Debret e de outros pintores europeus que vieram ao Brasil retratar a colônia. É o caso de “O Jantar”: sob a ótica de Gê, a refeição ocorre com os negros sentados à mesa.

“Por um longo tempo, durante a nossa formação, estudamos a história do Brasil através dessas imagens. E elas ficam no nosso imaginário. Foi daí que surgiu o desejo de criar ficções de resistência através desse banco de imagens revisto”, explica a artista, representada pela Lima Galeria, que possui no portfólio excelentes artistas do Maranhão, Piauí e Pará.