Palha couture
Palha couture
Ao contrário do aumentativo de seu nome, Caldeirão Grande é uma cidade baiana minúscula, com 13 mil habitantes, perto de Jacobina, conhecida por ser a terra da palmeira de licuri, cujo fruto é fonte de renda ao ser transformado em óleo, e cuja palha garante um dinheiro extra para agricultores que também fazem artesanato.
O baiano Ed Carlos cresceu vendo a avó se dividir entre a roça e o trançar de esteiras e chapéus de palha. A mãe ganhou uma máquina de costura com 15 anos e transformava cortinas e toalhas de mesa em roupa – isso muito antes de o conceito de upcycling ter se tornado bandeira de quem defende uma moda mais consciente.
Aos 10 anos, ele que era o caçula de três filhos e que sempre levou jeito pra desenhar criou seus primeiros croquis. Em 2012, aos 15, os pais se separaram e Ed foi estudar em Salvador. Para se sustentar, foi trabalhar em shopping: estoquista na Siberian, VM na Zara, vendedor da Richards.
Fez fama como ótimo vitrinista e coordenador de araras e logo arranjou um emprego na Meskla, mais importante multimarcas de Salvador. “Fazia mala para as clientes que saíam de férias, montava styling. Na Meskla aprendi a criar relacionamento”, conta.
Mesmo certo de sua paixão por moda, com medo de não conseguir se manter, decidiu estudar Design de Interiores. Insistiu por um ano e meio até tomar coragem e abraçar sua paixão e, em 2019, foi estudar Moda na Unifacs, onde havia se formado Vitorino Campos, exemplo de quem Ed desejava ser.
“Meu trabalho de conclusão de curso foi sobre tingimento natural. Desde essa época queria realizar algo na moda que tivesse relação com a natureza.” Numa temporada na Meskla em Trancoso, durante a pandemia, se apaixonou pelo lugar e pelo artesanato.
Em busca de uma chance de trabalhar como estilista, em 2022 mudou-se para São Paulo e conseguiu emprego num grande varejista que vendia exclusivamente online. Ficou dois anos trabalhando lá até ter um burnout. “O preço para viver em SP estava me deixando doente.”
Maio de 2024 – num dia de descanso, em casa, quanto pensava no que iria fazer da vida, resolveu desfazer uma esteira que tinha, como fazia sua avó. E criou seu primeiro look de palha, uma saia com top, que batizou de Syagrus, nome científico do licurizeiro.
“Foi um processo bem intuitivo, não tinha forro, não imaginava que alguém ia querer vestir uma peça de palha.” Mas Thiago Cavalcanti, o ex-chefe e dono da Meskla, viu a obra no Instagram de Ed e pediu que confeccionasse aquele look para que Rita Batista usasse no São João da Thai.
A partir daí, sua vida mudou. Rita fez sucesso e começaram a pipocar pedidos de clientes anônimas e famosas. “Debora Secco usou e daí em diante não consegui mais dar conta dos pedidos.”
Há um ano, consegue viver exclusivamente da palha. “Conquistei a estabilidade financeira fazendo o que mais amo na vida.” Para tornar os looks confortáveis, desenvolveu uma técnica em que primeiro faz o molde do forro com uma malha especial (segredo!) e, só depois, faz a moulage do tramado, costurando a palha com linha de sisal.
Quando lhe perguntam se não pensa em fazer peças mais comerciais, como bolsas e cintos, Ed é categórico: “Fiz o mais difícil que foi mostrar que é possível vestir-se de palha de licuri. Está dando certo assim. Este ano quero montar ateliê e ter uma assistente.”
Por enquanto, fala com as clientes pelo Instagram mesmo, toma as medidas, discute o que cada uma quer. No verão, lançou uma minicoleção de pronta-entrega, com tops, saídas de praia e saias, mesclando palha com gaze de linho e couro. Levou as peças para Trancoso e foram todas vendidas em 15 dias.
Um top mais complexo como o que Debora Secco usou leva dez dias para ficar pronto. Atualmente, há uma espera média de dois meses por uma peça. “Mas se a pessoa precisa pra um evento, eu viro a noite e entrego em uma semana”, diz.
Ed tem virado muitas noites. Como toda inovação, já surgiram tentativas de cópia, mas ele segue tranquilo. “Trato a palha como se fosse um tecido alta-costura, e isso não se copia. A modelagem e o acabamento das minhas peças me colocam num lugar único. Estudo obsessivamente para a peça ter o melhor caimento possível.”
Ele adora quando a cliente diz que “nem parece estar usando roupa de palha” e sonha em breve fazer seu primeiro desfile, com peças 100% palha e outras mescladas com outros tecidos. “É uma fibra simples, mas com design sofisticado. É a síntese do que minha avó e minha mãe faziam: peças elegantes, com valores éticos muito fortes”, finaliza.