Foi durante a pandemia que o pernambucano Jeff Alan, 30 anos, decidiu começou a usar cor em suas obras. Daltônico, até então sempre havia preferido pintar em preto e branco. Acostumado a grafitar muros em sua comunidade e a pintar grandes murais para projetos comerciais que lhe garantiam o sustento, na pandemia Jeff se viu trancado no pequeno quarto/ateliê em que mora no bairro do Barro, na periferia de Recife, e aconteceu uma espécie de epifania. “Eu era feliz com o trabalho abstrato e P&B, mas sentia que faltava alguma coisa. Sou muito inquieto e, nesse período de pandemia fui obrigado a olhar mais para mim. Desacelerei e me redescobri.”

De repente, se viu pintando homens, mulheres e crianças negras, de traços marcantes e olhar penetrante, sempre cercados de cor nas roupas e acessórios que usavam. Batizada de “Olhar para dentro”, segundo Jeff, “a série traz memórias afetivas e fala sobre reencontros, reencarnação e ancestralidade”. O pernambucano nunca conheceu o avô, nem em fotos, mas acredita que é ele quem aparece nos traços dos homens que vem pintando. “Tenho certeza que aquele bigodinho é dele”, diz com convicção ao explicar o fato de boa parte dos homens que pinta aparecerem com um peculiar bigode fininho.

Mais que uma busca de reconexão com seus ancestrais, as telas de Jeff são manifestos. Em “O povo preto quer viver!”, por exemplo, um jovem negro aparece de costas, com a palavra “viver” estampada na camiseta. O artista escreve: “O grito pela vida não é de hoje, meus antepassados morreram lutando e gritando. Nem bala, nem fome, nem Covid. O povo preto quer viver!”

Filho de uma manicure e de um mecânico, o estudante de Arquitetura e Urbanismo foi incentivado pelos pais desde criança a desenhar. Em seguida começou a grafitar paredes no bairro do Barro. “Sonhava em transformar minha comunidade num museu a céu aberto”, conta. Ao andar pelos becos e vielas da região, é fácil achar suas obras de artes espalhadas pelos muros, fachadas das casas simples e em áreas revitalizadas e transformadas em locais de convivência: “O grafite tem um lado solidário porque as pessoas se reúnem para pintar em áreas de vulnerabilidade social. A gente precisa alcançar essa gente que vive ofuscada. Ali dentro dos imóveis, existem famílias, sentimentos. Quero devolver a esperança para elas e mostrar outras possibilidades com o meu trabalho”.

Jeff passou a viver das tintas há mais de 5 anos, e ainda tem como principal fonte de renda o desenvolvimento de grandes murais para empresas privadas. Um trabalho desses era mais do que ganhava o ano inteiro no meu antigo emprego”, diz. Além dos muros recifenses, as redes sociais de Jeff serviram como vitrine de sua arte, e graças a elas chamou atenção de colecionadores e galeristas. Atualmente, é representado pela Arte Plural, em Recife, e pela A7MA Gallery, de São Paulo, conhecida pela excelente curadoria de street art. Mas a maior parte de sua produção continua sendo vendida mesmo em seu próprio Instagram e em plataformas digitais como a @spot.art, um caminho mais democrático e eficaz para um artista periférico – hoje 20% de seus seguidores são do exterior.

No momento, Jeff Alan é um dos nomes da exposição Tempo Tríbio, que comemora os 90 anos do Museu do Estado de Pernambuco, ao lado de ícones da arte pernambucana como João Câmara e Lula Cardoso Ayres – ele é um dos artistas mais jovens da mostra e um dos poucos ainda vivos. Tempo Tríbio fica em cartaz até novembro.

@JeffAlanmf

MEPE | Museu do Estado de Pernambuco: Avenida Rui Barbosa, 960, Graças, Recife