Ferro e fé
Ferro e fé
Por muitos anos, Diogo Oliveira foi apenas o cara legal atrás do balcão. Marido de Sil Karla, conduzia com ela o Xinxim da Baiana – bar, espaço cultural e barracão de afoxés que marcou época na entrada do Sítio Histórico de Olinda, em Pernambuco, até o casal decidir assumir a rotina mais tranquila no ateliê-casa onde vivem hoje no bairro olindense do Bonsucesso.
Foi Sil Karla quem incentivou o marido a retomar o contato e rotina com o ferro e reinventar sua vida. Até 2019, Diogo não tornava pública sua relação com a arte. Também artista, ela fez uns desenhos e pediu ao marido que os convertesse em ferro. Eram esculturas cinéticas, flores gigantes que se punham em movimento sob o vento. Diogo não sabia, mas começava a virar Diogum.
Afrodescendentes e ainda não integrados ao circuito oficial das galerias e instituições de arte, Sil Karla e Diogum foram os únicos brasileiros a participar em Paris da exposição anual da Art Freedom, organização francesa de promoção de artistas dispersos pelo mundo através da gradual diáspora da escravidão. Era o ano de 2019. O convite partira do cônsul da França no Recife. Mas o caminho até ser reconhecido pelo establishment das artes ainda seria longo.
Filho de um serralheiro, Diogo José de Oliveira, 40, cresceu diante do ferro e do fogo. Adolescente, ajudava o pai a confeccionar grades e utilitários.
Hoje, o mesmo ferro é a matéria-prima que o projeta como artista na cidade do Recife, base de suas esculturas, objetos-metáforas sobre ancestralidade, religião e mitos afirmativos afro-brasileiros. Diogo incorporou a suas iniciais o nome do orixá regente de sua cabeça (Ogum) e, assim, virou Diogum.
Peças suas podem ser vistas em galerias como a da Fundação Roberto Marinho, no Rio de Janeiro, e a Amparo 60, em Recife. Na segunda, tenho a alegria de ter sido o curador de “Ferro Ifé – O Atlantico Negro de Diogum”, sua a primeira individual, que ficou em cartaz até 5 de setembro. Agente e correligionário do ferro, faz dele esculturas que desfiam movimentos em grande beleza ótica. Diogum desenha com o ferro e faz dele técnica e ontologia. Ongunhê!
*Bruno é curador, jornalista e antropólogo, autor de, entre outros, Pernambuco Modernista (CEPE, 2022).