Maracatu animado

E se o filme japonês A Viagem de Chihiro, do Studio Ghibli, se passasse na Zona da Mata de Pernambuco? Esse exercício de imaginação fica fácil quando pensamos no trabalho de Jota Zer0ff. O artista equilibra o lado lúdico, que usa no grafite, com traços hiper realistas em quadros que retratam ícones da cultura pernambucana, como é o caso do Caboclo Escarlate, do Maracatu Rural.

Nascido e criado em Carpina, cidade a 45km de Recife, Julio Cesar desenha desde os 8 anos. Apesar de não ter ninguém da família nas artes, herdou dos pais os dons manuais: o pai é pintor automotivo e a mãe cabeleireira. Mas foi na frente da TV que descobriu a própria vocação.

“Eu era criança na década de 90 e fissurado por animações. Meu sonho era criar meus próprios personagens. Tentei fazer um curso dos Correios de desenho para me profissionalizar, mas sou indisciplinado. Queria logo era achar meu traço”, conta o artista que agora assina como Jota Zer0ff.

Seguiu na terra natal até os 24 anos fazendo trabalhos pontuais nas artes. Em 2010, mudou-se para o Espírito Santo e encontrou seu lugar na arte de rua e no grafite. Mas de volta a Pernambuco, chegou a duvidar. “Sentia que não tinha espaço para mim nos muros de Recife”.

Com viagens constantes na BR-408, entre a cidade e Carpina, notou que tinham muitas pedras no trajeto. Teve o estalo de pintar os obstáculos, sem assinar os trabalhos, e a intervenção causou burburinho. O único registro era a logomarca. O anonimato teve fim depois de uma matéria no jornal local e, desde então, o artista se consolidou na capital do estado, onde é representado pela galeria Nuvem.

Nas paredes, Jota tem uma pegada até mais abstrata e gosta de retratar personagens do imaginário. Muitos são inspirados nos mamulengos, bonecos de madeira que eram uma tradição de Carpina. “Infelizmente deixamos para trás essa cultura, mas lá nasceram grandes mestres do mamulengo”.

Já nas telas, o caminho é outro. Pense em desenhos detalhistas, que fazem referência à cultura de Pernambuco. “Na rua não tenho tempo de namorar a obra. Para fazer um quadro, em casa, posso gastar tempo”. O resultado fica evidente no cuidado com os traços e os figurinos dos personagens.